domingo, maio 16, 2010

Aí quando dou por mim sinto o peso das tradições sobre os meus ombros. A herança genética. Os jeitos em comum. Os gestos - espera, quem anda assim não é a minha mãe? Ou minha vó? Minha irmã? Não sou eu quem ri assim, quem fala assim, essa voz, a entonação toda, é roubada ou entuxada no meu corpo. Vem com as garfadas de arroz e feijão. Vem das históias do vovô Antônio na mesa das crianças na hora do almoço. Vem com os móveis pesados de madeira escura da casona. Ou do cheiro de remédio no banheiro da Vovó Maria. Vem da mãe. A mãe. A mãe. Que fujo em vão indo cair no mesmo lugar. Nos mesmos erros, mesmas fragilidades. E eu fujo e fujo e corro com fé e nada. E volto pra esse que é o lugar por onde eu cheguei no mundo. Atravessei as suas entranhas, mãe, pra chegar aqui. Como posso fugir das nossas semelhanças?
Não sei se posso. Se sou ingrata. Não sei.

3 comentários:

myoshi disse...

Ontem você comentou algo que me deixou consternado (e que vejo aqui expresso sob outra forma): viajar para se desfazer, purificar, limpar.
Curiosa travessia que se mostra enquanto movimento contrário do que acredito.
Acho que é inútil tentar se desfazer das camadas, das máscaras, das experiências. A trajetória se mostra como um crescente acúmulo de tudo isso. Cigarros, biquinis, beijos, fotos: um baú repleto dentro do qual devemos nos movimentar. De outro modo, jogar com tudo isso.

sofia botelho disse...

não quero me desfazer das camadas, das máscaras, das experiências. Quero abrir espaço para reencontrar em mim algo que foi deixado pelo caminho. Que ficou soterrado em algum lugar longínquo. Que foi sobreposto pelos acúmulos que não são necessariamente EU. Acho que você não entendeu o que eu disse, Marcos.

myoshi disse...

Não sei... é que talvez eu não saiba ao certo o que seria o EU.

Eus?
Creio.
E a angústia do fragmento.