quinta-feira, março 24, 2011

exaurida sangue sugada anêmica garçonete, 24.
atriz, não sei.
viver não tá sendo bolinho.
ano do coelho.
do coelho caolho.
doar do árduo do ar doendo.
falta dormir.
comer.
amar.
trepar.
ver cinema.
fazer teatro.
beber cerveja.

falta

eu.

quarta-feira, março 16, 2011

Falar sobre a mulher é deixar que eu escreva livremente
Que eu disserte sobre qualquer assunto
Que eu me assuste
Que me arrebate
Feminino é soltar o verbo
Datilografar baixinho
Chorar no escuro da cama da casa dos pais
São meus dedos de mulher que me guiam
É meu corpo
É o que há de natural em mim: ser mulher
Não preciso que me peçam para falar sobre as mulheres
Tudo que eu disser estará atrelado absolutamente ao fato de eu o ser
Não há dissociação entre meu ser e o ser mulher
Tudo que eu escrever
Tudo que pronunciar
A tudo o que me render
Tudo que eu encarar
Tudo tudo tudo
Parte desta mulher que vos canta


encontrei este texto nos meus arquivos e não me lembro quando e nem se fui eu mesma que o escrevi. mas me identifico com ele e por me conhecer minimamente desconfio mesmo de que sou sua autorA.

segunda-feira, março 07, 2011

visitinha

hoje me visitei.
eu tinha dezenove anos, muita ingenuidade, muita vontade e acreditava muito. nada disso mudou. eu tinha cabelo mais comprido, eu andava da estação de trem pelas ruas de paralelepípedo de santa terezinha até chegar na pça rui barbosa sem número. onde está a escola livre.
hoje eu tive dezenove anos, cheguei meio perdida ali na porta do galpão, onde estava tendo uma aula de circo do milan e perguntei pros que estavam ali treinando acrobacias num dia quente de janeiro se ali era a escola livre. "é aqui, mas a entrada é por ali".
então por ali eu entrei pra fazer a minha inscrição no núcleo de formação de atores. e não saí nunca mais.
então eu hoje, 24 anos, peguei meu carro vermelho todo estropiado e atravessei a cidade e cheguei em santo andré, que hoje pareceu mais longe do que quando eu fazia o mesmo trajeto todos os dias. e cada lombada me arrepiou. cada farol e curva da avenida do estado me trouxe um fragmento de memória. quando cheguei perto da escola livre me arrepiei inteira. me pareceu que o tempo é uma coisa muito louca mesmo. que tinha uma eu ali, dezenove anos, ingênua e deslumbrada com a escola, vivendo ao mesmo tempo que essa eu de hoje, 24 anos, nostálgica. ali, saltitando, ali caminhando, ali dançando, cantando, vivendo, vivendo muito intensamente todos aqueles dias. eu me vi, me senti, arrepiei, lembrei de situações tantas. tanta história minha presa ali dentro. eu ali dentro, presa no tempo, nas paredes pichadas e a escola quase desabando de tão abandonada que está pela prefeitura podre. hoje eu tive a sensação cristalina de que o tempo não é linear coisa nenhuma e que eu posso tranquilamente conviver com uma outra eu que existe tanto quanto essa eu que vos escreve. existo ali na elt, onde num dia ensolarado entrei pra nunca mais, pro resto da minha vida, sair.

domingo, março 06, 2011

inventare

restam tres horas pra dormir até que chegue a hora de acordar amanhã. hoje.

resta uma vida pra viver

mas que não chega nunca!
cadê?

a vida é que me molda num sapato apertado - não eu que a invento.

quem sabe inventar a própria vida?
que eu saiba, os artistas

ou os religiosos
os monges
os gurus
os padres

esses inventam uma outra vida

agora eu
(e uma enorme parte da população)
tenho vivido uma coisa que me espreme, aperta, machuca
uma coisa de se vira no que der pra poder pagar o aluguel no fim do mês
uma coisa garçonete de restaurante perda de tempo de vida de alma

cadê meu combustível, minha vida?

"vida minha vida
olha o que é que eu fiz
deixei a fatia mais doce da vida
na mesa dos homens
de vida vazia..."

assim não quero não dá não tem jeito

vou inventar que posso sair deste trabalho e começar a trabalhar no meu mais novo projeto para o qual dedicarei minha alma inteira e parte do meu corpo. e minha voz.

vou reinventar essa vida que sempre foi a que experimentei até chegar neste ponto morto de bater cartão. bater cabeça. dar murro em ponta de faca. nó em pingo d'água. correr atrás do próprio rabo.

inventei para mim uma prisão com casa marido comida na geladeira trabalho com carteira assinada. e quero desinventar tudo isso agora já. estalar os dedos e ser automaticamente transportada para uma sala escura, sem som, com os meus eleitos para criarem comigo esta nova vida que eu ainda vou viver. no palco. e na coxia.