sexta-feira, julho 27, 2012

Bagunça criativa neste retiro em Jaú. Retiro ao mesmo tempo alimentar, espiritual, trabalhístico, familiar, emocional, maternal, oxigenal, cerebral, sentimental. U a u . Que bênção esse lugar Deus Meu. Obrigada tataravô, tataravó, bisavô, bisavó, avô, avó! Obrigada antepassados meus, por este lugar existir. Obrigada aos que fazem e conservam este lugar até hoje. Que pri vi lé gio meu deus, que privilégio um lugar assim, com todas as minhas raizes reunidas, enterradas nesta terra boa e roxa, todas as minhas memórias de infância nestas paredes, corredores, vacaria e cocheira, e terreirão e cafezal, canavial, aos cavalos, às galinhas, que bom é ter vocês todos aqui reunidos, basta uma viagem de três horas e meia da minha casa em são paulo que chego aqui neste lugar fora do tempo (será que existe mesmo isso aqui?) e me encontro diretamente COMIGO, e minha família, e a minha avó que já morreu, mas ainda assim me encontrei com ela de um jeito tão lindo desta vez. Que me sentei na sua escrivaninha e mexi em suas fotos e diários e descobri quão linda ela era jovem!! Eu nunca tinha visto a minha avó jovem! Que mulher! Cheia, transbordante de vida! Ela tinha aquele tipo de sorriso com uma gengiva que aparece e eu acho isso tão lindo nas mulheres (acho que minha prima Joana herdou este sorriso..). E como é legal ficar encontrando as minhas tias na minha avó e até ME encontrar na minha avó, meu deus, como é bom saber de onde a gente veio, e as características boas e ruins que vieram para nós sem a gente escolher!

Consegui me aproximar mais da Kátia. Imaginei-a, toquei piano, peguei folhas, pedras, gravetos, flores para levar para São Paulo e usar na cena. E construir meu Totem-Kátia. Escrevi muito como Kátia. Kátia é bichinho do mato, filha da natureza, vive só e bem, inventa suas estórias, se apaixona, loucamente, desvairadamente. Kátia é bichinho desconfiado, observador, se esquiva. Kátia colhe flores. Toca piano. É uma mulher, já. Sente falta do pai, teme a irmã, pouco carinhosa, muito rígida, seca. Criei os cinco quadros mas quero criar outros cinco. Li a novela inacabada do Púchkin, me envolvi, de repente, puft, acabou, ele parou de escrever, nunca saberemos o fim da estória, é terrível!

Minha mãe menininha. Minha tia Lu. Meu irmão. Tonicão.

Estou maluca e feliz.

Obrigada Jaú. Boa noite. Até a volta,

sua

S.

domingo, julho 22, 2012

Apinéia.

Sonho com um mar vermelho transparente cheio de dejetos, sujeira. A onda passa por cima da minha cabeça, estou de pé, ela passa sem me molhar, estou dentro dela, vejo toda a sujeira passando por cima sem me tocar.

Meu caos organizado. Não meto o pé na lama, amo fria, ando sóbria sem chafurdamentos.

Novidade nenhuma, ela ri.

É uma intensidade limpinha. Nem lá nem cá.

Queria não entender tanto. Não explicar assim. Deixar-me ser mar inteira mar. Can't live with no love. Sem paixonar-se é tédio.

Tanto por fazer sem conseguir começar. O processo criativo não pode ser assim racional e ordenado, não é assim, tem que sentir alguma coisa, intuir uma fresta, e IR.

Os dias de julho tem sido lindos e eu nessa casa fria de frente para a porta, vendo os cachorros passearem felizes, vendo sol se por e imaginando como deve estar lindo lá fora mas sem me atrever a sair. Só saio quando escurece e aí é igual, mesmas luzes frias dos postes, mesmo carro, ruas todas iguais quando é de noite. Tem sido assim.

O processo de criar a Kátia está muito dentro, lá no fundo, não consegue ir pra fora, escancarar janela do corpo. Fiz uma colagem, foi uma tentativa de botar fora o que está dentro, um bom primeiro passo, acredito.

E agora pra onde? Criar os quadros, como? Desenhá-los? Botar no corpo? Criar o totem que o Wagner sempre fala. Preciso. Começar é que é difícil, já disse Beckett.

Fico sempre querendo as seguranças, os acertos, só começo quando tenho certeza. Mas como fazer diferente desta vez? Partir de um intuito, de uma imagem, deixar meu instinto procurando trilhas, seguindo alguma coisa mesmo que nebulosa, mas confiante.

Kátia toca piano de maneira séria e severa. Kátia é solitária. Kátia é feliz quando tinha tudo para não ser. É órfã, foi educada pela irmã, vive longe da cidade, com a irmã e a tia velha e chata. Mas é feliz assim. Kátia ama os pássaros, ama a natureza, é inteligente e tem personalidade forte, como a irmã. Kátia está pronta para amar, é tudo o que ela quer. Quando os dois rapazes aparecem em sua casa é um grande acontecimento para ela e sua vida pacata e sozinha. Kátia sente vergonha e muitas vezes mergulha para dentro de si e não há quem a arranque de lá. Kátia é irônica e soube direitinho como fazer para Arkadi ficar a seus pés. Serpentinha. Deixa os rastros de maçãs, uma trilha, uma armadilha, é ardilosa, observadora. Kátia é russa e nova. Nunca deve ter estado com um homem. Quer conquistar a sua liberdade, sair desta casa, dos domínios da irmã autoritária.

domingo, julho 08, 2012



Ariadne trança os fios de seu amor impossível. Pega o carro e atravessa a cidade ouvindo músicas do momento no rádio. Não canta junto. Se enfia no labirinto minhocão, 23 de maio, barra funda, zona norte. Cidade de fios visíveis e invisíveis. Cidade trama. Cidade conexão. Perder-se do outro e de si, cidade afora, noite adentro. Despistar-se. Só. Perder-se.

Mas ela não sabia esquecer. Sabe onde ele mora, sabe onde o encontrar, sabe seu número de telefone, o nome de sua mãe, a cor do seu carro. Sabe como chamá-lo. Sabe, secretamente, que ele ainda... ou inventa. Ou canta. Ou bebe. Ariadne não confia no destino, Ariadne não é mitológica (quem raios é Ariadne, e por quê ela, assim, nos meus escritos?).

"eu amo dois", diz para si no silêncio de seu labirinto.

Ariadne e um minotauro aprisionado.

Deixa seus fios, seu rastro, a pé ou de carro, deixa seu cheiro na avenida das luzes, pixa seu nome debaixo do viaduto, acende uma vela na esquina do cemitério do araçá. Pede pros deuses do asfalto, pros doidos da rua, conta teus segredos à uma criança.

A cidade dorme e ri. A cidade te engole, Ariadne, ele te esquece, Ariadne, ele te esquece, Ariadne, pouco a pouco, ele te esquece, Ariadne.