sexta-feira, março 26, 2010

Que me faz sentir viva (escrito em 21 de julho de 2009)

Quando olho fotos da minha infância.


Quando sentei sobre pedras mornas na beira do mar num dia de verão para assistir, silenciosa, ao pôr do sol.


Quando escuto uma música bonita no carro, dirigindo pela cidade vazia da madrugada, em alta velocidade (ou que, para mim, seria alta!), sentindo vento bater na cara e cantando junto com o rádio, na maior altura e intensidade que minhas cordas vocais conseguem suportar. Se for noite quente, melhor ainda.


Quando o sexo é tão bom que quando acaba parece que você está numa outra dimensão espaço-temporal. Parece que se passaram séculos - ou segundos - desde que você está ali. Ou quando tudo fica suspenso e parece que só existe você e o outro em todo o Universo. Que as luzes saindo dos prédios ao redor são meros efeitos cenográficos e toda aquela cidade só existe em função dos amantes atemporais.


Nos meus aniversários de quinze dezesseis e dezessete anos. As festas que dava na minha casa da Sílvia Celeste e eu entrava em êxtase de tanta felicidade. Me sentia importante por ser a aniversariante, era como se fosse uma peça de teatro e eu era a atriz e eles estavam indo me ver. Todos os meus amigos e namorado e amante e pai e mãe e irmãos.


Quando esperneei de dor no carro dele porque ele estava terminando o nosso namoro de quase cinco anos e a minha cara ficou deformada de tanto choro. E eu limpava o nariz num agasalho. Quando pedi para pararmos num boteco e tomei uma Coca Cola naquele pós-choro quase pós-orgasmático me senti viva. A Coca descendo na garganta, o gás e o gelo da Coca, era como se fosse sangue novo atingindo as minhas veias, e fumar um cigarro com os olhos esbugalhados diante daquele que me dilacerava as tripas o rim, enquanto todos os Outros me olhavam como se para uma aberração. Aberração é amar desta maneira!


Andando nas ruas quentes de Nova Iorque de noite, descendo do metrô e andando pelo Brooklyn, de volta para casa.


Em parques de diversão, naquele INSTANTE em que o moço abaixa violentamente sobre o seu abdômen a barra de segurança da montanha russa e você sabe que não tem mais volta.


O primeiro beijo que ele me deu (roubou de mim!) no portãozinho enferrujado e barulhento da casa da italiana ruiva maravilhosa, e os dois estavam com tanta vontade reprimida de tanto TEMPO sem poder realizar o que a gente mais queria. E a lua absurda sobre nós.


Tocar violão com o meu irmão. Principalmente o hit: "... tudo certo como dois e dois são cinco"!


Os segundos antes de entrar em cena. Entrar em cena. O pós-espetáculo que também se aproxima da sensação pós-orgasmo. E fumar um cigarro...


Gritar bêbada nas ruas geladas de Buenos Aires.


Quando comi brigadeiro de maconha em Ubatuba e achei que fosse uma sereia que não sabia nadar.


Quando saía da minha seção de terapia.


Quando escrevo. Quando canto. Quando estou profundamente apaixonada pela vida.

Sexta-feira, março 26

Sobre cactus.
Debaixo de rochas metamórficas.
Em alto mar.
All by my own.
A que fui. A que estou. A que vou vir a ser.
Dentro do corpo e fora as espinhas erupções de pele me dizendo alguma coisa toda vez que olho no espelho.
Não é por aí. Não é por aí, gritam, silenciosas.
Então por onde?
Falta o quê pra desabrochar?
Tem a faca o queijo. Falta o quê?
Falta a fome. Falta o desejo que me movia com tanta intensidade quando eu tinha 16. E 19.
Que eu não me criticava eu ia. Eu me mostrava pro mundo. Eu não tinha medo do mundo. Eu tinha vontade do mundo. Eu tinha fome do mundo. Credo, pareço uma velha e só tenho 23. Credo. Pareço uma chata. E eu era tão espontânea. Era fácil falar. Era simples viver. Viajar. Me embebedar. Era fácil namorar. Era bom.
E agora. É. um pouco. mais. árduo. Criei barreiras. Inventei. Acreditei nelas. E agora. elas. existem. Não sou mais espontânea. Sou calculada. Sou milimétrica. Não me embebedo até passar mal. Aprendi o limite. O chato do limite. Não falo merda. Tenho necessidade escrota absoluta de ser aceita. Não amo. Não. amo. mais.

segunda-feira, março 22, 2010

Olha que maluco:
sentei pra escrever, acometida subitamente por uma pressa de escrever sobre um assunto. Tipo uma necessidade, como dizem por aí. Sentei e pensei. Pra escrever sobre isso preciso antes acender um cigarro. Andei pela casa procurando cigarro e não encontrei em lugar nenhum. Acontece que neste simples trajeto que foi o de me levantar e sair em busca de cigarro, acabei me esquecendo do que eu estava indo fazer e quando percebi estava andando em círculos. Entrando e saindo do banheiro. Do quarto, acendendo e apagando a luz. Abri a geladeira e olhei as comidas estáticas, na cozinha. Abri a janela da sala. E o assunto que me moveu até aqui, aquele sobre o qual eu tinha a necessidade de escrever, me acompanhou durante todo o trajeto maluco dentro da minha própria casa. Fervilhou, eu diria melhor. As palavras na minha cabeça já começavam a estabelecer conexões entre si. Como começar este texto? As frases do meio já vinham se configurando. E enquanto tudo isso acontecia dentro do meu cérebro, meu corpo esquecido, fazia ações burras e cotidians condicionadas. Ações que eu nem comando mais. Meu cérebro se esqueceu do meu corpo e o abandonou e ele ficou ao Deus dará andando em círculos, abrindo armários e olhando para comidas enquanto frases profundas se enfileiravam na minha cabeça. Aí lembrei do cigarro. Aí cérebro e corpo se encontraram de novo. Tchum. Encaixou. E quando comecei esta retrospectiva com tudo o que aconteceu desde o momento em que decidi falar sobre aquele assunto, percebi que não era para falar sobre aquele tal assunto. Achei melhor escrever sobre nada. E vou-me embora que estou atrasada.

sexta-feira, março 19, 2010

Queria que você escrevesse em mim, dentro de mim, em cima de mim, ao lado de mim, que escrevesse mim em você, que escrevesse mim em mim. Que você escrevesse de você em mim, que escrevesse vocês e mins e mins e vocês e nós em nós. Que escrevesse por nós, sobre nós, dentro de nós. Sobre nós, sobretudo. Que escrevesse nós em mim. Que escrevesse. Mim queria que nós escrevêssemos em você, em mim. Você queria? Você quer? Você mim querer? Querer eu quero. Escrever. Nos escrever em nossos mins e nossos escreveres em nós.
Queria que você escrevesse pra mim. Sobre mim. Por mim.
Egocêntrica, eu?

Hoje.

Calor e Cazuza nos ouvidos.
Pernilongo devorando meus pés. E panturrilha. Ai.
Aqui chama Pousada da Terra e é agora meu segundo lar.
Aqui é longe daí. Fica bem em cima no mapa do Brasil. Brasilzão sem portêra. Brasilzão que é um em cada canto.
Quem tá aqui não sai por nada. Fala que São Paulo não faz o menor sentido, São Paulo nem interessa pra eles daqui. E a gente daí fica achando que é o centro do mundo, que no fundo todos estão muito tristes por não terem nascido aí e que tudo o que eles mais queriam era morar nesta cidade megalomaníaca.
Querem nada. Eles ficam é tirando sarro da minha cara. Que São Paulo inunda. Que em São paulo é todo mundo "frescurento". Que em São Paulo você tem que sair da sua casa no mínimo uma hora antes do seu compromisso. E aqui, quando é muito longe, eles saem 15 minutos antes. E aqui tem praia e caranguejo a três reais o quilo e camarão e sol e calor e calor e, affff, calor. O apelido daqui é Terra do Sol. Quando o avião chega no aeroporto a aeromoça diz: "Temperatura em Natal é de 30 graus". E eu penso: "Ah, que novidade!". Aqui a temperatura é sempre de trinta graus.
E eu ando de taxi e como camarão e tomo cerveja e nado na piscina "temperatura ambiente" do hotel e me divirto com meu amigo mineiro e minha amiga natalense e gravo umas cenas nada a ver pro Governo e as pessoas me reconhecem na rua e falam que admiram muito meu trabalho! Rá!! Que trabalho?
Hoje eu estou de folga em Natal. E eu fiz só as mesmas coisas que faria se estivesse em São Paulo. Almocei. Fui no shopping. Fiquei horas e horas na internet. Ai essa paulistanice que não nos abandona...

quarta-feira, março 17, 2010

Ofélia afogada entre pilhas de roupa suja emboladas pelo chão do quarto.

Agarrada ao criado mudo transbordando papéis inúteis que não consegue se desvencilhar.

Sufocada pelo telefone celular que toca grita vibra e nunca é quem ela queria que fosse.

Ofélia intoxicada pelo trânsito calor infernal de fumaça nojenta entrando nos poros aos poucos.

Ofélia no meio fio. Ofélia sem linha. Ofélia fumando marlborão.

No funk. No pagode. Ofélia desafogando.

Ofélia trepando, Ofélia se enganando.

Ela quer sentir saudades e chorar de noite depois de apagar o abajur.

Ela quer criar coragem e jogar fora tudo o que não precisa mais.

Ofélia precisa de tempo pra cuidar das plantas no terraço, dos amigos e do mural de fotos que está se desfazendo na parede. Ofélia precisa cuidar do namorado. Do que restou. Pouco.

Ofélia por pouco, aos poucos, para poucos.

quarta-feira, março 10, 2010

Sereinha da Sé

Não que seja menina de rua, mas vive dentro de uma fonte que deixou de ter água há uns bons anos, na Praça da Sé. Dessas meninas - menino que vemos por aí. Mora mesmo ali dentro, por isso é conhecida nas redondezas como a Sereinha da Sé. Quando chove é a desforra. E quando chove muito, a fonte até enche um bocadinho e ela se esbalda brincando de ser a sereia que gosta de imaginar. Sereinha do cabelo curto, que canta nas calçadas durante o dia pra ganhar a vida com uma vozinha chocha - e o povo até que se compadece e lhe descola algumas moedas pequenas. Mas quando chove, aí ela se inspira e bem que solta um vozeirão de menina adulta, de menina mulher que encanta os que tem a sorte de flagrar a cena. Flagrar, porque não é para os outros que ela canta assim, é pra ela mesma, quando se sente feliz e imagina longas madeixas ao invés do cabelinho curto desgrenhado e uma calda linda e verde esmeralda no lugar das pernas. Claro que o seu sonho é conhecer o mar. Como foi parar lá dentro da fonte da Sé, é estória que os outros gostam de imaginar. Cada um tem sua opinião, chute, e outros dizem que sabem mesmo: que ela foi largada ali de bem pequeninha e que não conhece outra vida, outro lugar. Nunca saiu do centro da cidade, de onde conhece cada canto, cada esquina, cada boteco, cada pedinte, cada puta, cada cão sem dono, cada menino de cola, cada poste, cada cuspe, cada avenida, cada ponto de ônibus, cada casa de suco. Mas nunca viu coisa nenhuma diferente de canto, esquina, boteco, pedinte, puta, cão, moleque, poste, cuspe, avenida, ponto e suco. Nunca viu o mar, por exemplo. Nunca viu areia da praia sem ser em capa de revista, nunca viu duna, nunca viu céu despoluído, mata virgem, estrelas no céu nunca nunca viu. Nem imaginar, imaginou. Imaginar como, se não sabe que existe? Aí seria invenção, não imaginação, então ela prefere nem tentar. E se contenta com seu tanque seco, com sua voz murcha, com o fato de ninguém saber seu verdadeiro nome. Se contenta com noite sem lua e com as luzes que nunca a hipnotizaram.
E naquele dia foi ela quem hipnotizou um bigodudo chamado Zeus que surgiu de combi do meio do temporal para levá-la dali pra bem longe. “Quer conhecer o mar, Sereinha?”, perguntou o desconhecido. “Que que você acha, tio?”. E assim, enquanto cantava ia subindo a bordo da combi 1985 do tiozinho do bigode simpático. “Pode fumar aqui, tio?”. “Você pode tudo, Sereinha. Não tá vendo que eu sou a sua salvação. Agora vamos buscar os outros.” Ela nem perguntou nada. Não tinha nada a perder, afinal de contas. Não sentia apego nenhum pela fonte da Sé – é, ela não teria do que sentir saudades. Queria mais era ir ver o mar, e iria mesmo achando que aquele tiozinho vestido de salva-vidas podia muito bem tá enganando ela. Ele parecia inofensivo. Ela tava acostumada com coisa pior. Queria mesmo era andar de combi pela primeira vez. “Tchau Sereinha da Sé” – gritava com a cabeça pra fora da janela, e depois ela abria a boca e deixava a água da chuva entrar. “Agora eu vou ser a grande sereia do mar!”.

segunda-feira, março 08, 2010

Blog autodestrutivo. Que se exploda - é o que eu desejo. Que se autodestrua em cinco minutos. Que tudo seja automaticamente deletado. Tudo. Todas as letras que formaram a minha vida até aqui. Tchau. Bum.
Vontade de. De enforcá-lo. De esquartejá-lo. De socá-lo. De cuspi-lo. De empurrá-lo ladeira abaixo. De afogá-lo. De agarrá-lo. De amá-lo. De roçá-lo. De suá-lo. De mordê-lo com toda a força da minha mandíbula. Mas eu o odeio. O odeio com toda a força do meu desejo. Do fundo das minhas entranhas eu o odeio. De dentro das minhas coxas. E veias bombeadoras de sangue para a minha língua nervosa por te engolir, meu cérebro em tilte e ansiedade sem dormir. Te odeio no final do dia e no início da madrugada. Na segunda e no domingo. Te odeio no meu pensamento, no meu texto, no meu ser ou não ser. E como se não bastasse, te odeio.

sexta-feira, março 05, 2010


não é
algum
lugar
Alô Alô som
Tessssstando
Som
Som
Alô Alô
Não?
Alô?
Eu aqui, cá
Meu receptor aí, lá
Meu surdo receptor amado
Tudo que eu preciso é de alguém que não ouça o que eu falo.
Despertar. Dez horas de trabalho intenso da parte do cérebro que sonha. Ou da parte do espírito que sonha (vai saber quem é que sonha).
Acordei cansada de sonhar.

Aí era eu na Paulista tomando banho numa vitrine. Meu amigo passava caminhando, velho e grisalho, qual um Chaplin dos dias atuais, vestido de sobretudo e peles de raposa. Aí eu correndo e encontrando uma professora da USP que estava liderando um ritual de Ahayhuasca, na Paulista. Meus colegas da faculdade em transe, eu ao lado deles, conversando sobre banalidades. Eu de fora.
Aí era sempre assim: eu assistindo e o mundo acontecendo ao meu redor.
Mas quando era eu ali nua na vitrine deixava, tranquila, os outros assitirem.

O mundo me invadindo e eu me mostrando cada vez mais pra ele.

Que venha!

quarta-feira, março 03, 2010

Que agora é assim. Pra valer. Um eu um você. Um aqui outro além. Um acordar só. Um caminhar sem. Uma outra vida que calhou de ser assim. Uma dor que parece que uma mão pegou meu coração e não para de espremer. Uma vontade interrompida. Amor então também acaba? Não que eu saiba. Acaba que são outras coisas que acontecem no meio do caminho. E a gente não planejou assim. E os filhos? E a nossa arte? A nossa parceria acima de tudo? Tudo isso caiu em cima da minha cabeça e eu não to vendo nada muito bem. Tudo tem você. Olho ao redor e absolutmante em tudo você está. Na minha cama. Nas minhas roupas. Meu cheiro. Meu espelho. Meu armário tem suas coisas. Suas fotos na minha câmera. Seus livros na minha estante. Você na minha unha, meu cabelo, meu tornozelo. Você na minha voz na minha pele. No ar, na porra da atmosfera, na fiação elétrica de São Paulo, nas ruas calçadas e avenidas, nos cães, na minha mãe, na minha peça de teatro. Agora é viver com o vazio absoluto pesando sobre minha cabeça.