domingo, julho 30, 2006

Sangue-suga

Tranço pernas e meios-fios na madrugada eterna de não clarear dia e nuvem.

Meia fina, seios firmes, boca rasgada. A fumaça lhe escorrendo pelos dedos; sangra. Lisos pêlos de tigresa e língua áspera, madura.

Traço linhas tênues joelhos afora e risos de boca entreaberta (entre a dor e a delícia) me censuram, sem mais.

Nunca quis tanto as suas mãos tateando o intangível, o incansável.
Queria aprender a amar apenas com os olhos.

Passa um homem alto alto (desses que não choram) pedalando as solas no asfalto duro de roer; cumprimenta o gari entretido, que sem notá-lo avança no seu serviço enroscado.

Olha a voz que me resta.

Desfecho-me.

sábado, julho 29, 2006

Estou
Sem
Estado

De quatro

De

L
A
D
O

De lado de lá

De pedras e caminhos de folhas
Temperadas
Tropicais

Lugar-comum, qualquer-lugar
Bem-te-vi que bem-me-quer
Ossos do ofício casto
Rastro de inocentes pardais
De pegadas que apagam-se
Esparsas
Ofício duro de cantar e roer e cantar
Trocar singelos pius e arrepiar-se ao sabor do vento do outono que avança e liberta as folhas-mortas.
São leves, essas.
Leves, pousam.
Pousam e piam e cantam e compactuam com o solo fresco que as recebe e se deixa envolver.
É bonita a dança entre a folha, o solo e o vento.
Me envolvo e me deixo arrastar quando acorda o verão.

domingo, julho 16, 2006

"...o amor é trilha de lençóis e culpa, medo e maravilha..."


Tom Zé - o único sobrevivente!

quinta-feira, julho 13, 2006

Retalhos II

Passear com o cachorro que não sabe de nada, ou sabe muito mais do que eu, uma reles sapiens sapiens. Andar em círculos pelas calçadas estreitas e cheias de gente indo e vindo, indo e vindo... E bicicletas me atropelam e macacos me mordem. A chuva cai mais fria do que nunca na minha nuca espremida entre a cabeça e o tronco, me contorço de frio e de alegria, de frio e de medo de vida que me toma sem mais nem menos. A vida acontece mesmo quando não quero. Escalo edifícios e a vida me cai em forma de vaso de flores coloridas (gosto das orquídeas e dos girassóis). A selva-centro-da-cidade esperneia por atenção enquanto viro reviro na cama implorando por um minuto de silêncio, só um instante, só queria um pouco de silêncio. Seria pedir demais?

Fecho os olhos, aperto-os com as mãos enquanto vou entrando debaixo do travesseiro, entrelaçando as pernas no lençol florido até formar um nó de pele e pano e pé e perna e lençol.Resta-me o ar mal respirado debaixo do travesseiro que disfarça muito pouco o ruído da cidade do lado de fora da janela.

Campainha.
“Quem é?!”. A voz surda saindo dos lençóis não chega ao outro lado da porta, e o visitante insiste na campainha. “Espera!”.
Desato-me. Corro (ai!) tropeçando nos móveis da casa (ai!) que ainda não se habituou com a minha presença, até chegar (ai!) na porta. Olho pelo olho mágico (as paredes têm ouvidos, e as portas, olhos): uma senhora e seu gato esverdeado a tira-colo. Tossem, ambos.

Semi-nua, abro a porta sem pudor. A tosse cessa. O gato pula do colo da dona e me olha com receio – prefere ir roçar nas paredes. A senhora pede cigarro com sua voz engasgada. “Vou buscar, espere”. Longa pausa. “Toma”. Ela imóvel. “Quer entrar?”. Sequer hesita e entra estendendo-me um isqueiro que parece mais antigo do que ela. Pausa curta.“Legal esse! Nunca vi igual”, puxo o assunto. Tosses.
Fumamos longa e silenciosamente, lado a lado, enquanto o gato minúsculo arranha as unhas no meu sofá já calejado.
“Música?”, arrisco. Ela vira-se para mim, dá uma boa olhada nos meus peitos nus, ruboriza-se e disfarça em seguida olhando para o quadro esquisito diante do sofá. Tragada grossa seguida de tosse. Tusso. “Olha. Tem música clássica, se a senhora gostar. Mas eu prefiro mesmo é um bom ‘Vinícius e Toquinho’. Pode ser?!”.

Não sei bem como aconteceu, mas quando percebi já estávamos os três (eu, a velha e o gato verde musgo) pulando pela sala e sobre os sofás ao som elétrico dos Rolling Stones. O cabelo de laquê da senhora asmática já estava todo despenteado, e de tempos em tempos ela gostava de ir até a janela e soltar gritinhos, certa de que toda a cidade a escutava.

Foi uma noite e tanto.

sábado, julho 08, 2006

a b i s m o

Não fui amada o suficiente antes de nascer, mas cuidada em excesso depois de crescida.
Não sou genial. Possuo tendências melancólicas, solidões, memórias.
Fumo um cigarro inteiro no curto trajeto do ponto de ônibus até a minha casa.

Acredito que todos somos um pouco prostitutos: vendendo-nos através de imagens, estéticas inventadas, estilos absurdos. Fumo cigarros prostituindo-me. Visto meias calças coloridas e cachecóis, prostituindo-me. Pinto os olhos. Danço. Dou risadas gostosas.
Prostituindo. Me.

Sou uma exibicionista. Não poderia ser atriz.
Gosto de escrever: é mais um jeito de fingir.
Buracos negros me corroem. Cerveja sossega. Os homens me querem, não o suficiente.
Invento-me.
Quantos mil-disfarces será que me cabem? Desfaço-me. Um homem é um homem. Despedaços.
Tem dias em que tudo dói. E caio... lento...

No silêncio inexistente da cidade-precipício, abro os braços como paraquedas: o vento que bate na cara tem gosto de poluição. O olho lacrimeja. O cabelo voa. Mas a rede – formada pelos invisíveis fios de fumaça, luzes, palavras, antenas parabólicas e meios-fios – amortece a queda. Saio ilesa, como um trapezista.

Acordo dando coices no ar, mas o alívio de estar viva não é o bastante.
Continuo caindo.

sábado, julho 01, 2006

Não vou-me embora pra Pasárgada

Traumas e tabus impiedosos escorrem entre os homens nas avenidas e calçadas. Homens que vão do nada para o lugar nenhum, algum silêncio procuram procuram sem cessar. Meninas-mulheres que nem peitos têm, já abrem as pernas para o desconhecido de pentelhos grisalhos e não gozam. Quase não gritam. Ouvi dizer que choram engolindo o choro quando deparam-se, sozinhas, consigo mesmas. E quando, raramente, apaixonam-se. Crianças que já nascem cansadas da vida que lhes foi reservada (você já viu criança cansada?). Sem nome e sem cara de criança: aborto. Fome que dói no peito, que rói a cabeça, cria carcaça. Meninos que vão à caça de revólver na calça e droga no bolso não são absolvidos. Mas absorvidos pela terra de que quem pode, pode. Não sei se há Pasárgada, mas se houver, acho que hoje em dia as coisas lá, estão muito parecidas com as de cá.

Sem Título

Pararatimbum.
Eu vou de vento em popa, louca louca.
De cara leve, cocacola.
No lilás do dia quase noite, esquento e imploro. Oca.
Loba que sou, vicio. E choro.
Choro de chover-me toda. E topo.
De sair daqui, ir ali, já volto, sei lá.
Lá. Depois da neblina que nos envolve:pó.
Toda errada e certa, etcetera etcetera.
Encontrar-me inteira e fumar cigarro. Ubacobaco. Canções e tabaco caro de doer os olhos e fumar a boca. De sugar a boca e lhe lamber os olhos. Trocar alhos e bugalhos. Fumar-te inteiro e sair correndo cantando sambando.
Rio de janeiro.