sábado, julho 08, 2006

a b i s m o

Não fui amada o suficiente antes de nascer, mas cuidada em excesso depois de crescida.
Não sou genial. Possuo tendências melancólicas, solidões, memórias.
Fumo um cigarro inteiro no curto trajeto do ponto de ônibus até a minha casa.

Acredito que todos somos um pouco prostitutos: vendendo-nos através de imagens, estéticas inventadas, estilos absurdos. Fumo cigarros prostituindo-me. Visto meias calças coloridas e cachecóis, prostituindo-me. Pinto os olhos. Danço. Dou risadas gostosas.
Prostituindo. Me.

Sou uma exibicionista. Não poderia ser atriz.
Gosto de escrever: é mais um jeito de fingir.
Buracos negros me corroem. Cerveja sossega. Os homens me querem, não o suficiente.
Invento-me.
Quantos mil-disfarces será que me cabem? Desfaço-me. Um homem é um homem. Despedaços.
Tem dias em que tudo dói. E caio... lento...

No silêncio inexistente da cidade-precipício, abro os braços como paraquedas: o vento que bate na cara tem gosto de poluição. O olho lacrimeja. O cabelo voa. Mas a rede – formada pelos invisíveis fios de fumaça, luzes, palavras, antenas parabólicas e meios-fios – amortece a queda. Saio ilesa, como um trapezista.

Acordo dando coices no ar, mas o alívio de estar viva não é o bastante.
Continuo caindo.

2 comentários:

marcio castro disse...

entre as linhas que cruzam minha cabeça ao entre-olhar sua disposição de palavras, gestos, desabafos e sinceridades, reconheço a força e a beleza desta mulher. mas não o suficiente.
convite para um café.

Cristiano Gouveia disse...

A menina que caminha entre cervejas e prostituições seculares, o lar dos séculos, caça entre os escombros algum isqueiro salvador.

E tu sabes o que te digo, pra apaziguar os dias de muitos desejos alheios e pouca satisfação.