quinta-feira, dezembro 21, 2006

Cegos

Estranha e nua sentei-me na mesa de um café. Não percebi as minhas unhas pintadas (vermelho) e mal notei o cego que tateava as minhas medidas, ao lado. Se ele me queria, não entendi. E também não o quis, não ali, não assim nua e densa. Era preciso estar leve como pluma leve pousa, como abelha em girassóis, era preciso o frescor da abelha no momento incerto. Instante raro de perceber sem ser notada era o que eu buscava por detrás dos meus óculos escuros. Ócios. Era como se eles me tornassem invisível: ali detrás podia ver a sinceridade da cidade escondida, aquilo que não se diz, sequer se pensa. Eu pensei tanto quanto um cão ao abanar o rabo e passei batido em brancas nuvens. Esqueci. E continuei ali. Nua. Estampadamente nua. Rodeada por cinzeiros e cigarros apagados, cafés fortes descendo pela goela fraca e empapuçada. Empapucei-me cedo. Então não havia mais espaço para o mundo dentro de mim.

Perdas e danos

Preciso precioso tempo e palavras perdidas à toa pelo ar conden-concentrado. Ouvido absolutamente límpido para não causar interferências largas. Passos de bêbado caolho entrecruzando a guia da calçada destruída. Em ruínas, cegos caminham caminho noite e vida afora, no escuro do dia que brilha sem se ver. Vendemo-nos em gatilhos e estouros sem som. Procura-se calor entre pernas moles que não firmam carinho, estagnam. Estagnamo-nos no amor, na desculpa de um companheiro tão solitário quanto nós mesmos. Solidões que se encontram, se penetram e não preenchem-se. Olha lá como eles caminham sem se notar. Tocam-se as mãos mas o áspero da pele morta não se faz perceber. Tocar sem sentir o outro é sintomático de uma civilização em cadências quietas e acobertadas. É preciso o amor tanto quanto o vazio de dentro fundo que nos move. A arte diminui, à medida em que não se vê as cores lá fora, o dia passando, a rua em eterno movimento de pés-anté-pés, de bundas justas que desfilam um rebolado intrigante. É preciso a arte tanto quanto o amanhecer infinito, quanto a pele na outra pele, tanto quanto escurecer acende os vagalumes.

sábado, dezembro 16, 2006

Não há nada mais melancólico do que a voz e a gaita de Bob Dylan.
Mora toda uma beleza na melancolia; nas almas que mergulham livres pelos abismos nossos de cada dia. Nas entranhas e estranhezas da casa, da cidade ruídos, desse mundo grande que a gente desconhece.
Encontros afora, voamos incertos rumo ao que nos parece mais certo. De escolhas e atalhos. De atarmo-nos e desentrelaçarmo-nos do que nos atrai e desconcerta.
A infância que nos abandona cedo: quando menos percebi já me escorria o sangue que escorrega agora veias e impulsos, saltos e buracos.
É que me dói um pouco essa coisa vida. Me foi dada assim, sem que eu pedisse a ninguém. Mas agora a imploro como quem reza. Procuro-a dentro e fora, e às vezes encontro migalhas tão preciosas que dá vontade de chorar.

And it´s all over now, Baby Blue.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

número dois

Correu. E correu tanto que se esqueceu da direção correta. Correu sem dó. Correu como quem se despede, se desmede, se desvencilha.

Atravessar cipós partindo-os ao meio ou carregando um pouquinho deles consigo tornou-se a atividade favorita. Assim como desenterrar minhocas ou encontrar ninhos com ovos dentro! Era gostoso, ela achava. Mesmo que fosse assim, sozinha e só, sem dó, sem lá, sem cá. Meio cá e lá, capengando ao pé de montanhas e capins. Os pés de cana tinha aos montes também (desses ela gostava menos, sabe-se lá porque). E cavou por cenouras e lavou-as da terra nos riachos.

Chega de ruralidade.