segunda-feira, dezembro 24, 2007

Por onde andei? 
Meses voaram por mim e sequer escrevi um recado de geladeira. 
Passeei por aqui dentro. Tantas descobertas profundas, amargas, risíveis. Tropeçamos de vez em quando num sapato velho esquecido ali no canto, numa ponta de tapete levantada. Depois a gente lembra que lembrar nem é tão importante assim. Tem feito mais parte desapegar do que qualquer outra coisa: jogar pela janela, queimar livros, esquecer fotografias. É bom assim. Com leveza e amor. Com açúcar com afeto. 
E assim sem mais nem menos se vive todos os dias, mais uns do que outros. As vezes é até possível medir a própria existência, não em anos e minutos, mas no inspirar e expirar as toxinas. No engravidar de criação e ação. 
Preciso engravidar-me do mundo para depois vomitar tudo em forma de arte. 
Eu sigo. 

terça-feira, outubro 23, 2007

Fixo

Ai minha cabeça dói. Cheia de idéia fixa que fixa idéia ruim na cabeça que dói. Que se fixe em outro lugar essa idéia fixa cheia na minha cabeça cheia de idéia fixa que nem espaço pra pensar sobra na cabeça cheia. Lotada. Esgotada de idéia fixa que se fixa na cabeça. Vá. Me deixe fixa em minhas idéias próprias em meus estudos em minhas criações. Vá-se embora daqui idéia carangueja, aracnídea, idéia de uma figa. Se aloje em outro apartamento, alugue outra cabeça vazia que se devote à crucifixos de idéias fixas. Circulando idéia cruel. Se retire da minha cabeça que já cabeceia demais vida afora e tem doído desde que você se alojou e me fixou no lugar-concreto. Quero espaço para o abstrato da idéia nova. Venham saltitando suas idéinhas, venham à mim, sim, venham à mim!

terça-feira, julho 24, 2007

(ex)Citação

"(...) Não pensem, pelo amor de Deus, que meus sonhos eróticos inaugurais eram povoados por fios, válvulas e outros componentes eletrônicos, mas a mulher sonhada, a mulher expectativa era muito sonora. Não que eu fosse comê-la com o ouvido, mas o som foi a primeira mulher que, acordando meus ouvidos disseminados pelo corpo, inaugurou em mim a carne como residência de prazeres(...)"

do fantástico Tom Zé, para variar...

sábado, julho 21, 2007

Meio-fio

Ela - Preciso.
Ele - Precisa?
Ela - Ardo.
Ele - Ando árduo...
Ela - Sei. Me dói isso.
Ele - Em mim mais.
Ela - Mais?
Ele - Muito.
Ela - Me deixe aqui no meio fio.
Ele - Vamos embora.
Ela - Vá.
Ele - Tarda.
Ela - Ardo-me. Deixe-me.
Ele - Até quando vai arder?
Ela - Quando casar sara.
Ele - Só se for comigo.
Ela - Vá.
Ele - Vem?
Ela - Implore!
Ele - Não me canse.
Ela - Me quer mesmo?
Ele - Às vezes menos.
Ela - Comigo o mesmo.
Ele - Assim, a vida.
Ela - Uma pena.
Ele - Tem pena da vida?
Ela - Mais dela que de mim.
Ele - Comigo o oposto.
Ela - Acontece. Dói mais, né?
Ele - Arde de doer.
Ela - Rói.
Ele - Prefiro quando penso menos. Você está me cansando.
Ela - Então vá. Logo. Não quero me perder de ti.
Ele - Tão cedo ainda.
Ela - Seus olhos secaram.
Ele - Árduos.
Ela - Sei. Dói?
Ele - Acostuma.
Ela - Vá. Antes que me canse de ti.
Ele - Tão cedo?
Ela - E tão novos...
Ele - Nós?
Ela - Os meus olhos. E já não suportam o que vêem, tantas vezes.
Ele - Acostuma.
Ela - Já sei. Já sei.
Ele - Vem.
Ela - Suplique.
Ele - Suplico-te.
Ela - Mais.
Ele - Suplico-te mais.
Ela - E mais...
Ele - E mais e mais e mais e mais e mais e te suplico mais.
Ela - Já basta, seu falso. Vamos. Fingiremos a noite toda. Topa?
Ele - Já vamos tarde.

quarta-feira, julho 11, 2007

silencio

Pedir silêncio aos pensamentos é tarefa árdua. Ouço-os rangendo, martelando, indo e vindo num fluxo intenso, pesando, roendo, partindo-me entre mente e corpo.
Escrever é uma tentativa de silenciar o cérebro. As palavras invisíveis ganham corpo, as idéias se materializam, os fantasmas da mente se tornam nítidos - bem na nossa frente. Fica mais fácil saber contra quem é a guerra e no final das contas é contra o meu próprio pensamento que luto ardilosamente. Preciso expulsá-lo para poder receber o que vem do momento, para escutar o meu corpo, para me relacionar com o mundo. É respirar e sentir que o que possuímos de concreto, muitas vezes, é só a nossa coluna vertebral - o que já dá um grande trabalho perceber.
A minha cabeça dói de pensar demais. A coluna dói se a abandono. Dia cinzento é um pé no saco e eu já começo a me desviar do tema. Porque é tão difícil se manter no tema? Os pensamentos são muito mais rápidos do que os dedos digitando e nos escapa uma infinidade de coisas que não conseguem ser escritas. Continuam no plano da abstração e rapidinho fogem de nós. Como os sonhos - em menos de um segundo nos escorrem pelos dedos e o que resta é uma estranha sensação de que muita coisa aconteceu por aqui, mas eu devia estar tão bêbada que não me lembro de nada! Os sonhos são como o estado de torpor e às vezes passam todo o dia convivendo conosco - hora lembramos de um pedacinho, hora o esquecemos por completo.
É preciso que eu me liberte de mim mesma se eu quiser voar de alguma maneira.

quarta-feira, maio 30, 2007

fuligem

Sem tapa nem pata na cara áspera, ergueu os olhos suplicantes de perdão.
Ódio e perdão transbordando nos olhos cinzentos que do mundo só conheciam o capim, a cana, aquela fuligem preta que cobre-a depois de ser incendiada e o facão enferrujado.
Golpeava a cana na base com uma força que nem existia mais. Nem ódio mais tinha de tanto acúmulo, de tanto que já engolira.
Engoliu ódio depois de ódio e os olhos agora se tornaram quase inexpressivos.
O perdão vinha da eterna submissão em que vivera. Conviver com a necessidade lhe transformara num homem que se desculpava por existir, por querer espaço neste mundo apertado, por preferir ser chamado simplesmente de Zé (embora o nome fosse bem outro), por detestar a cana e não encontrar outra saída.
As patas pretas lhe deixavam marcas carbonizadas quando ia tirar o suor da cara.
Homem.
Raça triste.
Espécie em extinção.

segunda-feira, maio 28, 2007

soco

Ai que essa vida tava me apertando os ossos os soluços e eu pedindo socorro socorro.

Ela virou-se e foi nitidamente surpreendida por um bêbado perguntando-lhe onde havia nascido. "Aqui mesmo" foi sua resposta. Então ele gritou um grito bêbado: "Eu tô tentando tirar a cachaça da cabeça mas você não me deixa! Eu sou barriga verde...".
Barriga verde... Seria quem nasce no Paraná? Ela não se lembrou. O segurança do local, já bem irritado com o fato de o bêbado ficar chamando-lhe de paraense, pegou nos seus braços com força e arrancou dali o sujeito.
Ele estava tentando tirar a cachaça da cabeça. É perfeitamente compreensível. Ela mesma já tinha vivido situações de "querer tirar a cachaça da cabeça". Sem sucesso - é claro.

Mas então ela pedia um socorro abafado e o que lhe veio foi um sujeito bêbado, aos trapos, gritando confuso. Ela esperava mais. De maus tratos da vida com os seres humanos já estava farta. De andar sozinha por aí também. Farta de ser um ser humano sozinho como todos os outros.

E a vida apertando-lhe, puxando seus cabelos e arranhando as solas dos pés, cuspindo-lhe na cara, e ainda dizendo (tendo a coragem de...!) que a amava.

Mas também ela amava a vida aos trancos e barrancos, aos trapos, nos barracos, nos sopapos que levava na cara. Amava-a em cada pedaço podre de pão, em cada incêndio e inundação. Amava-a sóbria ou caindo de bêbada, amava-a no forró e no botequim mais fuleiro.

E a vida seduzindo: "Não desista... só os fracos é que desistem. Vai mais um pouquinho... mais um pouquinho... mais um pouquinho". E fraca ela não era não e ai de quem dissesse o contrário. E desistir jamais. Então de pouquinho em pouquinho ela amava a vida, amava cada dia de dor, de doença, amava muito todos os dias de sol torrando a cuca, e dias de pinga e dias de aborto, tudo isso ela amava muito.

Como é que fazia pra sair do ciclo dia-a-dia, que parece mais um furacão que envolve todo o mundo dentro e ninguém sai de lá nunca? Ileso - nunca?

Como é que fazia, meu Deus, pra não ver tanta gente judiada por aí?

Ai que essa vida tava me apertando os ossos os soluços e eu pedindo socorro socorro socorro socorro socorro socorro socorro.

É que o socorro tava mais prum SOCO que sai CORRENDO...

quinta-feira, abril 19, 2007

É cada vez mais urgente viver o hoje.
Deixar as memórias irem.
Desapegar, sair sem as bugigangas penduradas, sem carregar consigo a gosma se arrastando atrás e prendendo os pés. Fixando-nos no lugar.
Tem que largar dos fantasmas, deixar que eles próprios sigam o caminho deles e parem de seguir o nosso. Largar o osso.
É urgente viver cada dia como cada dia.
Como cada ser novo que surge de nós junto com esse dia novo.
Página em branco todos os dias.
Cada dia a história muda, por mais rotina que haja, por mais horário que haja, por mais cidade que haja. Muda. O jeito de encostar o pé no chão ao sair da cama é outro todos os dias. O Bom Dia do porteiro tem uma entonação diferente. O jeito de engatar a primeira marcha e a sensação de liberdade de abrir o vidro e cantar "Hey You´ve qot to hide your love away" é diferente da do dia que veio antes. Os Beatles são novos sempre.
De noite, as luzes da cidade me encantam sempre.
E o jeito de andar na rua e olhar os prédios desfilando ao lado é outro.
É preciso encontrar encantamentos dentro dessa intoxicação em que vivemos. Dentro desta tubulação de gases transgenizados, monstrificados, mumificados. Inseridos na incomunicação absoluta de mundos, seres, habitáts, bolhas (in) visíveis.

Tem que tirar a cabeça do balde e respirar como se pela primeira vez. Fazendo isso todos os dias quem sabe a gente aprenda que não se nasce só uma vez na vida. E que as mortes estão por tudo, e que precisa arremessar o sapo na parede pra ver surgir o príncipe.

O meu corpo às vezes grita por dentro e eu não tenho ouvidos para lhe dar. Por dentro, de vez em quando os ouvidos são surdos demais, perdendo tempo demais com os ruídos que vêm de fora. E quando o meu corpo, as minhas entranhas, pulmões, os meus rins e o meu coração tentam se comunicar comigo eu opto pelo remédio e não pela saúde.

Hoje o meu corpo pede acolhimento. Ele me chama e eu o escuto. Hoje sim.

quinta-feira, abril 05, 2007

Nublado

Dia nublado quase branco fica o céu. E eu pálida atrás dos óculos escuros encaro o mundo encolhido no espaço entre o meu carro e o carro da frente. Tem música no fundo. O Rubi canta lindo e me transporta para um lugar diferente dessa avenida. Fico só com meus botões girando a mil e uma velocidades (do carro para os precipícios, para o céu, voando livre, para os infinitos portáteis de todos nós).

Hoje acordamos sem acordar.
Estômago vazio e bitucas no cinzeiro. Pernas se encontrando nuas debaixo do lençol. Pés e peito dos pés e peitos e lábios e cabelos embaraçados. Garrafa de vinho aberta durante a noite deixou o cheiro se espalhar pelo quarto. Ele sussurra que me ama e eu nunca amei tanto assim um ser humano. Amo a cor do olho, o tom da voz, o formato da boca...

Agora, nesse carro entalado entre outros tantos engasgados de escapamento, eu conseguia fechar os olhos e refazer todo o seu corpo na minha cabeça. E sentir as suas mãos nos meus quadris. E os seus olhos nos meus olhos, os meus olhos na sua boca, a sua boca nos meus seios.

É a minha salvação.

Em dias brancos é preciso se ausentar do mundo.

terça-feira, março 27, 2007

Bêbada das palavras. Já é madrugada acorda acorda acorda acorda. E tudo o que vem na mente emaranhada são cacos de músicas partidas e misturadas com pensamento. Ouço o estilhaçar de bemóis e sustenidos, de fás, sis e rés. Geme de loucura e de torpor. Queria saber escrever com a minha própria cabeça. Chega de música. Preciso do silêncio que se torna escasso neste centro de cidade grande, imensa e omissa. Sinto-me mais uma na boiada do trem. Nunca quis ser só mais uma. (Acho que ninguém de fato o quer). O que eu quis foi partir naquele momento mas não poderia. (Nunca se pode nada). Queria poder tudo. Qualquer coisa. Me virar do avesso e exibir as minhas tripas. Era isso o que eu queria com os meus textos e com o teatro.

sexta-feira, março 02, 2007

Pensando em mudar o nome do blog para "Entredentes". Que, pensando bem, é o oposto de "Estrada Afora". Veremos. Pode ser uma fase, uma fase e só ( e assim espero, sinceramente...)
Quanto mais se quer escrever mais inacessíveis tornam-se as palavras: sinto que fogem-me quando as preciso ardentemente. Assim como os pontos, os dois pontos, as reticências, os travessões. É uma debandada ruidosa. Galopam para quilômetros de distância e escondem-se lá onde a mente não chega e os dedos não datilografam. O fato é que era preciso escrever e na ausência das palavras eu o fazia assim mesmo, tentando mostrar-me autosuficiente no quesito linguagem.
Meu nome é formado por letras. Tem S. Tem F. (e por sinal, nunca gostei muito do som do F em SoFia, mas fazer o quê?).

Fazer o quê se em questão de segundos tudo o que restava era eu e o que de mim restara: as minhas letras não-sonoras, os meus pecados e tristezas, as longas e silenciosas reticências. Tudo formado por letras. O Z em tristeZa é o que torna triste a palavra. Assim como é o X em ineXorável quem traduz o seu significante. E o I em Sofia é o que sempre fez parecer alegre o meu nome, embora agora, no que restava de mim, esse sentimento não se mostrava tão nítido. No que restava de mim (bem ali, no meio do mundo, do caminho, do soluço) moravam algumas lacunas, lembranças e cargas elétricas. Nem palavra tinha mais ali no meio. Muito menos palavra, já que foram elas as primeiras a me abandonarem, ingratas que são. Porque eu jamais as abandonaria. Jamais.

Porque deveria ser proibido escrever quando se está sentindo assim: Nem raso nem fundo. Nem cá nem lá. Nem gato nem peixe.

Porque fica chato de ler (e quem disse que me importo?). (e quem disse que não me importo?).

É. Deveria ser simplesmente proibido. (e então seria ainda mais delicioso!).

Escrever sempre lhe fora delicioso, desde menina pequenina mirradinha ingenuazinha até... bem, até hoje (menina ainda, e pequenina e etc etc).
E as palavras lhe fugiam desde então e com elas foi aprendendo a paciência de esperar pela palavra certa no lugar certo no instante certo. Claro que essas são raras e preciosíssimas, mas não é sempre que elas precisam aparecer. Às vezes elas vêm, como quem-não-quer-nada, de mansinho e vagarinho, até que plim!, dão o ar de sua graça trazendo consigo todo um sabor ao texto que se fazia quase mórbido.

Quase mórbida e a palavra já era tão detestável apenas sonoramente. Como pode, não? Uma palavra possuir um som tão absolutamente repugnante? (vide a própria: repugnante, blah!).

A questão é que não quero me fazer clara nem compreensível e eis aí a razão pela qual as palavras me deixaram, todas. Simplesmente reneguei o motivo principal de suas pobres e cruéis existências: a comunicação. A partir do momento em que não quero, em absoluto, comunicar-me, pluf!, todas desaparecem (espertas elas...).

E eu farei o mesmo.

(queria tanto poder pingar o colírio alucinógeno do Zé Simão...)