Nesses dias em que meu cérebro vira uma máquina de escrever
galopante ta tatátátá tatá ta fábrica de histórias E nada passa batido, ileso,
incólume. Não escapa pensamento desordenado que não ganhe ordenação na máquina,
imagem vira fotografia, vira descrição, narrativa. Eu viro a personagem
principal, ou a câmera subjetiva, depende do caso. No carro, a cidade passa
tipo filme pela janela, eu a super pilota guio a minha nave e passo batido pela
cidade. A cidade que só passa, não me atravessa. Mas a vida nesses dias é
estranhamente grande e parece que eu seria capaz de fazer qualquer coisa, eu a
super pilota adquiro super poderes e não existe dinheiro, fronteira ou
conhecimento que possa me barrar. Eu decolo meu cavalo nave carro, eu salto no
ar e sou a protagonista de todos os filmes de todos os cineastas mais legais
que já existiram, e de repente eu vivo em nova iorque num loft e pego meu
casacão pra ir até a esquina tomar um café com meus amigos porraloucas
novaiorquinos artistas fantásticos como eu e tomamos café e depois cerveja e
depois whisky e terminamos a noite na casa de um jovem poeta que acabamos de
conhecer e ouvimos vinis no tapete do seu studio de janelas grandes sem
cortinas com vista pras luzes novaiorquinas que não são como as de São Paulo,
são muito muito mais legais porque são novaiorquinas e tudo o que é
novaiorquino é mais legal, óbvio. Daí eu visto meu casacão, a minha bota e saio
galopando sozinha na rua madrugada bêbada, e meus saltos fazem ta tata tatata
ta tata tatata e eu danço tango com os gatos e rio com os caminhantes noturnos
e então amanhece e a maquiagem já borrou e eu uso óculos escuros porque sou
atriz e vou tomar café da manhã numa esquina charmosa. Mas daí já é Berlim e a
câmera subjetiva dos meus olhos capta aqueles jovens malucos estirados na rua
no dia seguinte de uma noitada da pesada e está calor. Corta para cenas no
parque, Corta para cenas no rio, corta para cenas no metrô, Corta para três
jovens encostados num poste enrolando um baseado corta para um flat com chão de
madeira, poucos móveis, e um casal trepando alucinadamente. A vida que ainda
vamos viver não tem tristeza, angústia, testes, editais, reuniões, brigas,
invejas, competição, dinheiro. Não tem dinheiro, Não tem dinheiro, Não tem
dinheiro. E não sou eu que não tenho dinheiro é o dinheiro que não tem. A vida
que ainda vamos viver não tem passagem aérea, nem visto, nem passaporte. E
todos falam todas as línguas e todos se comunicam sem parar e trocam
experiências intercontinentais. A vida que ainda vamos viver não tem profissão
definida, nem vestibular, nem anos passados na carteira do colégio. Mas tem
musica e músicos incessantemente. Tem pessoas que conversam coisas legais e se
amam e viajam juntas pelo mundo. Tem cafés da manhã com pão na chapa e café com
leite no interior do Brasil, tem Brasil, tem Brasil. Tem cama desarrumada no
domingo de manhã. Tem casa de pé direito alto e prédios baixos. Tem cinema o
tempo todo e tem teatro e tem textos lindos e legais de serem lidos em voz alta
com os amigos. Tem gatos que dançam tango na madrugada com seus saltos de
madeira. Tem crianças coloridas de todas as cores que prevêem o futuro e fazem
mágicas e nos fazem felizes. Tem fazendas subaquáticas com cavalos marinhos.
Tem estrelas no céu e estrelas no chão, na imensidão de uma ilha. Corta para
mim. Corta para mim na areia de uma ilha infinita pros dois lados. Corta para
mim, estou nua, doida, cor de rosa, eu meus seios cor de rosa e eu dou pequenos
pulos na beira da água e canto e falo alto todos os textos que um dia eu decorei.
Não tem ninguém ao redor. Só o mar a areia o céu imenso e um pequeno barco ao
fundo, quase sumindo no horizonte. E eu sou o barco, a água, a areia. E eu
sumo.
domingo, dezembro 13, 2015
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