quinta-feira, agosto 17, 2006

Querido Tom

O silêncio gritou nos seus ouvidos e, ao tentar esbofeteá-lo, acabou por acertar a própria orelha e despencou no chão. Salvaram-lhe as mãos, ágeis, amortecendo a queda dura. Despontou um choro baixinho quase mudo, que lhe lembrou de quando era criança e chorava debaixo do cobertor engolindo os soluços, para que ninguém soubesse que estava chorando. O pior é que ele dividia o quarto com o irmão mais velho, e uma vez o Tom até que percebeu tudo e ele ficou com vergonha. O Tom acendeu a luz no meio da noite e as retinas me doeram, enfiei cabeça e tudo embaixo do travesseiro para que ele não visse o meu rosto molhado de lágrima. Mandei ele apagar a luz e me deixar em paz. Ele falou que chorar era coisa de viado, e que esperava que não fosse isso que eu estivesse fazendo. Eu falei "Eu nunca choro". E no final da frase o choro me doía na garganta, estrangulado, preso, quietinho que tinha de ser.
E agora ele estava ali, chorando quieto e sozinho, no meio da calçada, para todo o mundo ver. Os pedestres sérios até que viam, mas não diziam nada, nem uma palavra de conforto para tentar ajudá-lo. De qualquer maneira, não era ajuda de pedestre que ele queria no momento.
Só ela é que poderia salvá-lo. A menina dos olhos-amêndoa que uma vez olhou-o bem no fundo da alma e sorriu, como se lhe descobrisse os segredos e os perdoasse, todos. Ela dizia que não precisava tanto sofrimento, e que mesmo sem amá-lo naquele momento, aprenderia a amá-lo um dia. Há tempos a menina estava querendo se apaixonar, mas infelizmente não era muito ela que conseguia decidir essas coisas.
Ele jogado na calçada e os pedestres o pulavam como se fosse cocô de cachorro. Ele queria tê-la feito se apaixonar, mas infelizmente não era muito ele que decidia essas coisas. E agora não suportava aquele silêncio em plena Avenida da Consolação. Queria ruídos e ônibus e buzinas e motocicletas que lhe ajudassem a distrair o pensamento, mas era só silêncio que pairava, que doía, que atormentava.

É, Tom. Hoje eu tive que chorar. Porque foi insustentável.

4 comentários:

marcio castro disse...

não era muito ela que conseguia decidir essas coisas.

não era muito ele que conseguia decidir essas coisas.


Há coisas na vida que a gente não decide muito. e que o acaso seja também a direção que leve nossas vidas. que o incerto, o inseguro pulse em nossas veias como sangue e alma de ser vivo. e que a contradição entre o seguro e o incerto persista junto nas artérias dentro de qualquer ser vivo..

marcio castro disse...

agora separado: percebe a força em seu texto a citação da Avenida da Consolação?

beijo.

. disse...

palmas para o gilson rampazzo.
não lembrava que vc escrevia tão bem senhorita...
beijos

André disse...

consegui escrever...
adoro!
sempre!
As vezes as coisas ficam mesmo insustentaveis!