terça-feira, fevereiro 08, 2011

museu de mim

Mudar de casa é ir de encontro ao futuro desconhecido e, ao mesmo tempo, dar de cara com o passado guardado nas caixas, mofado, nas letras borradas das cartas que guardo há anos e anos e anos. É me encontrar nas coisas que nunca consegui jogar fora. É me desfazer de pedaços de mim que vão deixando de fazer sentido, deixando de me acompanhar. É começar do zero, mas com caixas e caixas de passado lacrado ali, e que não jogo fora nem a pau. Que nem olho, nem preciso, mas sei que estão ali. Me segurando. Me formando. Desapegar é tarefa árdua porque é abrir mão do que a gente já não é mas quer continuar sendo - porque é seguro, afinal de contas. Minhas fotos, meus 57 caderninhos com escritos de todas as fases da minha vida, as cartas que mandaram para mim desde meus 0 anos de idade, os ingressos das peças e shows mais marcantes, os bilhetes das viagens tantas, os presentes de todos os ex namorados, as cartas de amor, as pessoas que fizeram parte e que hoje eu nem sei onde vivem, os objetos que fui acumulando, as coleções de isqueiros que não funcionam, de fitas de cetim, de roupas de bolinha, os figurinos, as roupas que não servem, os sapatos fodidos - ufa - toneladas de passado. Passado pesado! Carrego tudo como se um dia fosse fazer um museu de mim mesma. Como se fosse um atestado de: "Ó, vivi", ou, "Ó, não passei a vida em branco" - os documentos comprovam que viajei, que amei, que trabalhei e estudei. Coisa maluca essa de mudar. E essa de não querer largar o osso. Isso é neurose séria que tem que ser tratada com muita terapia. Apego à matéria.
E se eu jogasse tudo isso fora?
Continuaria sendo a mesma sofia?
E se tudo isso que cultivei por anos e anos e que me dei ao trabalho de guardar e transportar e cuidar bem - isso tudo fosse pro lixo? Sobreviveria, eu?
Penso que minha casa nova merece uma nova eu. Livre desses mofos. Livre do passado. Da que fui. Mas me conheço o suficiente pra saber que não tenho coragem de jogar o passado no lixo.

3 comentários:

Chico disse...

Sofia, estou impressionado com a qualidade dos seus textos.

Parece cada vez melhor.

Essa melancolia toda faz bem aos escritos. Espero que você esteja bem também.

maria cecilia mansur disse...

APRENDI UMA VEZ NO JUREI QUE ERA IMPORTANTE EXERCITAR O DESAPEGO JOGANDO FORA ATÉ NOSSAS FOTOS VELHAS QUE NO LEMBRAM PESSOAS, PERDAS, COISAS SEI LÁ... É DIFÍCIL SE LIVRAR DA MEMÓRIA ... DEIXA ISSO PROS CELIBATÁRIOS MISSIONÁRIOS QUE SERÃO ESQUECIDOS... MAS RECOMENDO JOGAR UM POUCO DE COISAS FORA PRINCIPALMENTE AS QUE NAO FAZEM MAIS SENTIDO

Cristiano Gouveia disse...

"Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização..."