sábado, março 08, 2008

Ela no telefone falava em monólogo suave, com voz de quem sente dor e tenta disfarçar. Do dia, do calor que fazia, notícias da avó, conselhos da mãe, tropeços na calçada, bandido no farol, trânsito na Rebouças, noite quente, pijamas e novela. Dizia, sem pretender que lhe entendesse aquele do outro lado do fio do telefone. No fundo queria que percebesse a voz que tremulava, a afta que doía, que a vida ardia ultimamente, ela sentia, por fim, saudades. Dizia sem dizer as palavras. Esperava que aquele que um dia tinha conhecido entendesse os silêncios, as pausas, os suspiros, a voz baixa, sem brilho. Se ela o reconhecia? Pouco quase nada. Então enfim, uma pista lhe escapou. Um ruído quase nada, quase mudo, quase completamente abafado, desabafou. "Você tá chorando?" perguntou o sujeito do outro lado da linha do mundo da vida. Ele havia reconhecido o piu do princípio do choro dos olhos dela, que ele nem enxergar enxergava. Mas ouvia. E podia sentir a dor da voz miúda, o gemidinho quase quase, quase choro que viria a desabar cachoeira abaixo, só com a pergunta fatal. "Não é choro" respondeu soluçando. Era dor espremida, esperando só o momento certo de vazar. Era dor prensada, com chumbo forte ou aço duro de roer. Era a pobre da dor que não deixavam viver, que não deixavam vazar, se expressar como queria. E a própria dor já sofria de tão ignorada que tinha sido. Mas desta vez ela vinha firme e convicta, como quem diz: "agora é a minha vez, me deixe viver, me deixe viver!". Deixar viver a dor? Só se for lá longe. Longe no fundo do peito ela se desespremia e galopava violenta, pulmão, língua e lágrimas afora. O outro lá do outro lado ouviu. E sentiu. Nele também doeu, um pouquinho, de leve, bem pouquinho e de leve, mas doeu. Enquanto desabava pensava se para ele também doía. De leve, bem pouquinho. Para ela era o suficiente. Bem pouquinho era um monte de dor para aquele a quem a dor não atingia nunca.

Um comentário:

Isis Galvão disse...

Vim suprir a carência de leitores!

Belo texto Sofs, gosto da tua escrita.

Beijobeijo
Isis